VALE TUDO?

“Vale a pena ser honesto no Brasil?” Era a pergunta que fazia parte do inconsciente popular em nosso país, em meados de 1988, quando as armações de uma filha contra a própria mãe eram exibidas no horário nobre em rede nacional. Maria de Fátima era a filha sem caráter de Raquel, que, por sua vez, era um exemplo de honestidade. A história começava em Foz do Iguaçu, quando Maria de Fátima vende a casa da mãe, deixando-a na rua, e parte para o Rio de Janeiro. Ela vai ao encontro de César, modelo ambicioso e parceiro ideal na sua escalada ao poder. Raquel vai atrás da filha, mas é rejeitada, sofrendo um novo golpe, ao perder seu grande amor, Ivan, por conta de mais uma armação de Maria de Fátima.

Os papéis de mãe e filha foram brilhantemente interpretados por Regina Duarte e Glória Pires respectivamente. Os embates entre as duas eram constantes e garantiam a audiência massiva naquele horário, fazendo a temperatura ferver na Rede Globo. O antagonismo entre mãe honesta e filha sem caráter, permitiu boas discussões - dentro e fora da telinha - sobre ética e honestidade, durante o período em que a novela foi ao ar, de 16 de maio de 1988 a 6 de janeiro de 1989.

“Como pode uma filha fazer tanto mal à própria mãe?”, espantavam-se diariamente os telespectadores a cada nova maldade de Maria de Fátima, que numa das cenas gritava para Raquel: “...porque você sempre se cercou de gente pobre. Por isso que eu sei que do teu lado eu não vou chegar a lugar algum”, e ainda: “Se você soubesse de alguma coisa (sobre a vida), não teria chegado na tua idade só com a rua para andar”, e pedia, implorava para que ela não atrapalhasse os seus planos e nem a procurasse mais. Somente no capítulo 80, Raquel ia à forra, rasgando o vestido de casamento da filha, a esbofeteando e a chamando de “monstro”, gritando, em prantos, que a odiava, que sentia nojo dela.

Certamente uma das várias cenas marcantes de Vale Tudo, uma novela onde houve o casamento perfeito entre Texto - Direção - Atuação.



Muitos capítulos depois, o Natal estava chegando e ao invés de se querer saber dos amigos e parentes o que eles queriam ganhar de presente, em todo o país, só se queria saber de uma coisa: “Quem matou Odete Roitman?”, outro fio condutor da trama. Odete Roitman era uma vilã como jamais a televisão brasileira havia conhecido e que desprezava o Brasil acima de tudo. Ela era arrogante ao extremo e dizia que o nosso país era “uma mistura de raças que não deu certo”, e que “o Brasil é bonito sim, por cartão-postal”.

Beatriz Segall interpretou tão bem o papel da megera que ganha o título de Vilã-mor da História da Teledramaturgia. Como ela, que eu me lembre, apenas Bia Falcão, que viria a surgir anos depois pelas mãos de Silvio de Abreu, em Belíssima.

Também marcante é a cena de seu famoso assassinato, cometido por engano por Leila, esposa de Marco Aurélio. Este, um exímio representante da classe corrupta do país, que no final, fugiu ao lado da esposa assassina - que acreditava estar atirando em Maria de Fátima, nesse ponto da trama, amante de seu marido. Com os braços, ele mandava uma banana para todos de dentro de seu jatinho. Era a resposta do autor Gilberto Braga à corrupção da época, quando certamente muitos outros desonestos repetiam o mesmo gesto diariamente por trás das câmeras. E Fátima ainda termina a novela casada com um príncipe gay, que na verdade era amante de César!

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