A PRIMEIRA NOVELA

“Parece que foi ontem, mas lá se vão trinta anos...”, eu que o diga. Minha mãe assistia a mais um capítulo de Locomotivas, quando sentiu as primeiras dores do parto. Era por volta de sete e meia da noite - eu só viria a nascer às 9h da manhã seguinte. Nesse meio tempo, entre gemidos, gritos e mordidas no travesseiro, minha mãe assistia à novela, até que alguém chegasse pra socorrer. Não havia telefone em casa e a vizinhança mais próxima ficava a quase 1km. Ainda mais distante, meu pai não fazia a menor ideia da minha quase existência. Eu e mamãe estávamos sós. E a dor foi tanta que ela desmaiou, sendo encontrada ao final do capítulo, quando uma vizinha resolveu “aparecer" pra comentar as cenas.

Fui salvo por uma novela e uma vizinha noveleira. De acordo com os médicos, se mamãe tivesse permanecido inconsciente por mais alguns instantes, o meu cérebro teria sido gravemente afetado!

A novela que salvou a minha vida foi escrita por Cassiano Gabus Mendes, e foi ao ar de 1º de março a 12 de setembro de 1977, pela Rede Globo. Era a primeira novela inteiramente a cores a ser exibida no horário das sete e também a primeira a adotar a prática da reprise do último capítulo no sábado. O sucesso de audiência foi tão grande, que a Rede Tupi mudou o horário de sua novela, reconhecendo a derrota, através de um anúncio publicado nos jornais de 14 de agosto daquele ano: “A Rede Tupi mudou o horário de Éramos Seis para as sete e meia da noite. Assim você não perde as Locomotivas”. A novela tornou-se uma febre entre os jovens da época. Minha mãe, de 17 anos, tinha os cabelos iguaizinhos aos da personagem de Lucélia Santos, assim como boa parte das adolescentes brasileiras.