MEU PÉ DIREITO


Eu e Mário Gomes fizemos hoje nossa primeira reportagem juntos. Mário Gomes é um grande amigo dos tempos de infância, ele é alto, bonito, gostoso e multitalentoso, ele fotografa, edita e escreve - todos muito bem. Tem os cabelhos grisalhos e um brilho nos olhos irresistível, desses que brilham mesmo quando ele está de óculos escuro e uma barba, também grisalha que, ahhhh... Nossa amizade nasceu de um esbarrão:

- Não olha para onde vai, não?
- Me desculpa, eu não vi você.
- Olha para a frente...

E ao levatar-se e olhar para frente, Mário Gomes me viu e eu também o enxerguei. Ali, a nossa amizade nasceu e até hoje ela perdura. Já se vão mais de vinte anos desde o "encontrão" que aconteceu na praça da Matriz, eu estava com dez anos de idade e Mário, treze.

No momento seguinte ao acidente, já compartilhavamos nossas pequenas tragédias:

- O que foi isso no seu pé?
- Uma queda de mobylete.
- Não doeu?
- Eu não senti.

Mário Gomes tem apenas quatro dedos em seu pé direito.

- O que é isso?
- Eu deixei uma garrafa de coca-cola escorregar da minha mão. Um caco de vidro cortou a minha perna. Tomei quatro pontos. Ficou essa cicatriz.
- Saiu muito sangue?
- Demais.

Consolidava-se ali uma amizade sincera, devido a uma mistura - dentre outros elementos - de admiração e respeito, cumplicidade e amor.

É sobre o que trata nossa reportagem - minha e de Mário: admiração, respeito, cumplicidade, amor, dentre outros sentimentos.

"Não existe reportagem sem entrevista", afirma a jornalista e escritora Carla Mahlhaus. Quando se está diante de alguém, fazendo perguntas e esperando respostas, é preciso ter feeling para saber até onde se deve ir. Não é toda pergunta que pode ser feita, muitas vezes, existem sentimentos guardados que, se "arrancados" dos entrevistados, podem ter um efeito devastador sobre suas vidas. O silêncio, às veses, é a melhor pergunta. Truman Capote dizia que, se o entrevistado não falava, ele ficava calado: "O silêncio causa constrangimento e força o entrevistado a falar".

Após um ébrio silêncio, Mário, tocando em minha cicatriz, me faz recordar:

- Eu pensei que eu ia morrer... Foi nesse dia, exatamente, que eu descobri que um dia eu iria morrer, todos morrem, Mário.

Eu descobri a morte aos sete anos, em silêncio, repleto de sangue.

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