Uma noite de amor com Zeca - Parte III

Zeca não se deu conta de nada, só do medo que sentia de amar alguém tão profundamente a ponto de aceitar inclusive as falhas, as partes escuras (como se todos os seres carregassem na alma apenas a parte branca), e foi por isso que ele partiu para o Rio de Janeiro, em sua grande viagem anual burguesa, plus! Show da Madonna do Maracanã, afinal, ele merecia, trabalhara tanto recentemente, foram horas ininterruptas de edições de filmes e reedições de si mesmo, e ainda teve de agüentar as loucuras de Francisco. Madonna, aí vou eu... E Francisco, em Fortaleza, ficou sem acreditar que tal fato na vida podia acontecer, os seus sonhos sendo realizados, um a um, sem Zeca. E o Show da Madonna era um dos sonhos, não propriamente pela diva pop, mas sim, pelo momento especial a dois, mais um entre tantos na vida dos amantes, se eles não estivessem separados.

O tempo constrói e o tempo destrói... Sabiamente dizia Seu Airton, pai de Rebeca. E foi no que Francisco passou a crer, desde a tapa na cara que tomara de Zeca, justo no dia em que mais precisou da sua ajuda, o dia que inconscientemente Francisco sabia que, chegaria, e tanto que se precavera e enviara várias cópias de seu primeiro livro para o ex-amor, pois era uma certeza que o atormentava da hora de acordar até a hora de dormir: o dia em que abriria o livro no computador e leria – ARQUIVO CORROMPIDO.

E como o ex-namorado estava acompanhando todo o processo do livro, desde o princípio, e sabia de seus temores quanto a perder tudo o que havia escrito, é que Francisco, de imediato, ligou para Zeca, que não atendeu, pois estava jantando na Praia de Iracema com a nova grande amiga, Iôlanda, um amor de pessoa, depois de editarem a tarde inteira um filme que já vinha sendo editado há meses, enquanto Francisco, do outro lado da cidade, com o tempo escorrendo numa ampulheta, escolhia fotos sem saber qual ficaria melhor impressa na página do livro, ao lado do fotógrafo e amigo, Mário Gomes, que entendia ainda menos sobre a arte da impressão, pois fotografava como hobby e nem o PC Mac que acabara de comprar, sabia manejar direito, e unidos eles apanharam demais do computador, a tarde inteira, para escolher as fotografias que seriam publicadas no primeiro livro de Francisco.

Trimmmm... Até que, Zeca decidiu atender o celular, afinal, já era a quarta vez que o louco do Francisco ligava, sei não, vai que ele enlouquece de vez, afffe maria, é melhor prevenir, alô! Não, eu não posso, acho melhor você chamar o Breno, ele entende de computador mais do que eu, bem mais, e... foi quando Francisco sentiu com força a tapa na cara mesmo estando há quilômetros de distância de Zeca. E o oxigênio desapareceu, por um segundo, que foi suficiente para apagar todo o amor que Francisco sentia por Zeca, como se naquele instante outro arquivo tivesse sido corrompido. Um instante mágico, porém, ao contrário do primeiro, de união, dessa vez a mágica foi realizada para afastar. E desde então, Zeca não consegue mais falar com Francisco, pois este decidiu, como a personagem da Meryl Streep em A Casa dos Espíritos, que, depois da tapa no rosto que tomara do homem que admirava, respeitava, e sentia um amor incondicional, só voltaria a falar com o causador de tamanha dor por meio da escrita. E foi como os ex-amantes se comunicaram para o resto das suas vidas. Decepcionados, um com as atitudes do outro, já que Francisco, assim como Zeca e todos os demais seres, era imperfeito.

E como Claire, Francisco agarrou na direção do carro e dirigiu embalado por Sia cantando Breathe Me, rumo ao desconhecido:

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